segunda-feira, 14 de maio de 2012

Magma - Mekanïk Destruktïw Kommandöh (1973)

Ainda os Sigur Rós eram um projecto uterino já Christian Vander e seus acólitos inventavam uma nova forma de expressão oral que servia não só para encantar linguistas mas igualmente para criar um objecto musical imaculado na sua radicalidade. E a palavra "acólitos" é aqui utilizada no seu sentido objectivo; Mekanïk Destruktïw Kommandöh, o rock adaptado à ópera, ou vice-versa, encontro fortuito entre Richard Strauss e uma orquestra free jazz, é um evangelho estranho até mesmo dentro das mais loucas experiências prog. Pináculo do movimento conhecido por zeuhl, ainda hoje a sua diferença é ou deveria ser um exemplo para todos - escusado será relegá-lo ao culto ou ao backlash que a experimentação progressiva sofre às mãos dos críticos desde o punk. Falar dele é difícil como o é cantá-lo; necessário será mesmo ouvir.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Tom Zé - Todos Os Olhos (1973)

Pária entre párias (músico remetido durante largos anos ao esquecimento no seio da própria tropicália que ajudou a criar), o repertório de Tom Zé é demasiado vasto para que possamos sequer pensar em conhecê-lo a fundo; melhor, os seus discos vão-se descobrindo, ouvindo, amando aos poucos, um de cada vez, até terminar a relação com cada qual. Todos Os Olhos é assim: dificilmente o largamos mal lhe deitamos a vista (mau trocadilho...) em cima. "Complexo De Épico" (talvez a razão pela qual tenha sido vetado durante os anos 70 e 80), "A Noite Do Meu Bem", "Brigitte Bardot", "Augusta, Angélica E Consolação", canções perfeitas do início ao fim, não nos deixam pesquisar mais acerca de Tom Zé. Um dos raros casos em que um só disco basta para termos um amor para a vida.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Talking Heads - Remain In Light (1980)

Por volta de 1980 já os Talking Heads eram um dos grandes valores oriundos da ressaca punk (atestando-o a maravilha que é Fear Of Music), mas foi com o toque de Midas de Brian Eno que o quarteto Nova-Iorquino inscreveu definitivamente o seu nome no panteão da eternidade musical. Remain In Light, união técnica e espiritual com o funk africano e não só (atente-se a desolação industrial de "The Overload") não é apenas um disco: é o primeiro manifesto de apoio à globalização. Depois dele, a pop nunca mais seria a mesma. Que não se acredite que Paul Simon teria criado Graceland sem que este disco tivesse aberto os ouvidos de muitos. Que não se acredite que o hip-hop seria o mesmo sem "Born Under Punches". Que não se acredite que Byrne e Eno são menos do que génios.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Spiritualized - Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space (1997)



Se o rock n' roll não houvesse sofrido qualquer evolução estilística para além do aumento do volume dos amplificadores em que é tocado, Ladies And Gentlemen... seria a sua expressão máxima. Fruto do amor de Jason Pierce pelo gospel e pelo ruído, é um álbum especialmente sobre o amor, quer o objecto da nossa afeição seja a mulher perfeita, as drogas puras ou Deus, ou todas essas coisas misturadas. Do tema-título à raiva de "Come Together" e "Electricity", da afeição religiosa de "I Think I'm In Love" e "Cool Waves" ao estado fodido em modo free de "No God Only Religion" e "Cop Shoot Cop...", Ladies And Gentlemen... não pode ser simplesmente escutado; é preciso ter fé. Tamanho Evangelho nada pode contra as forças do ateísmo, por mais que se seja céptico.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

The XX - XX (2009)



É verdade que a década dos zeros não gerou uma quantidade numerosa de discos que se possam considerar instantâneos (sendo não menos verdade que é, ainda, demasiado cedo para se poder efectuar uma avaliação dessas), mas XX andará muito perto disso; ampliado pelo omnipresente poder do hype, revelou-se a grande surpresa da década no que toca à pop independente-tornada-mainstream, e fez dos britânicos a fonte número um para a definição de "minimalismo" aplicado à canção de traje fácil. "Crystalized", "Shelter" e "Infinity" alcançaram - e merecem -, bem como o disco em si, o cume da pop bem delineada e, porque não, mesmo podendo afirmar influências directas dos Young Marble Giants e de algum hip-hop, original; daí advém o seu sucesso. Um grande disco que não será esquecido tão facilmente, mesmo que novas aventuras do trio se revelem um fracasso. Go slow...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Jandek - Ready for the House (1978)



Assim como Vladimir e Estragon nunca encontraram o seu Godot literário, os seguidores de Jandek permanecerão para sempre na incerteza em torno do mito que, em 1978, se iniciava com Ready for the House, o mais acessível e o maior dos seus discos, feito ainda mais importante se considerarmos a sua discografia. Um osso em forma de folk estranha, ferida aberta com o sotaque de um fantasma, o álbum de estreia daquele que se supõe norte-americano é, ao lado de nomes fortes do blues como Son House ou Blind Willie Johnson, a expressão máxima da solidão humana; fecha-se em si próprio, impede o mundo de entrar por força da miragem. Jandek não é o homem que hoje faz aparições em festivais ou programas de rádio. É muito mais do que isso: é um segredo que se conta a uma criança que em adulto se lembrará de Deus.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Air France - On Trade Winds EP (2006) / No Way Down EP (2008)





Pequena curiosidade mórbida: escrevem-se estas linhas no mesmo dia em que a dupla sueca anunciou o seu fim, sem que sejam consequência dessa notícia - mais porque, na última semana de sol, os Air France, como em todas as semanas de sol, foram uma companhia indispensável. Na mesma linha dos Saint Etienne, fizeram da pop mais pura da década que passou, conluio perfeito entre a electrónica mais dançável e o formato canção. On Trade Winds e a fantástica "Karibien" expressaram o lado mais ravey que, a certo ponto, a maioria das bandas de música electrónica pós-Pitchfork se apressavam a apresentar como sinónimo de credibilidade; dois anos depois, No Way Down recusava os braços no ar, preferindo antes a contemplação do azul celeste no seu modo de contar uma história através da melodia. O término das suas actividades é uma perda irreparável, tanto mais que abandonam o circuito sem um tão-esperado longa-duração. Prova de que a perfeição não dura para sempre.